sexta-feira, julho 26

Vai passar.


"Vai passar, tu sabes que vai passar. Talvez não amanhã, mas dentro de uma semana, um mês ou dois, quem sabe? O verão está ai, haverá sol quase todos os dias, e sempre resta essa coisa chamada "impulso vital". Pois esse impulso às vezes cruel, porque não permite que nenhuma dor insista por muito tempo, te empurrará quem sabe para o sol, para o mar, para uma nova estrada qualquer e, de repente, no meio de uma frase ou de um movimento te supreenderás pensando algo como "estou contente outra vez". Ou simplesmente "continuo", porque já não temos mais idade para, dramaticamente, usarmos palavras grandiloqüentes como "sempre" ou "nunca". Ninguém sabe como, mas aos poucos fomos aprendendo sobre a continuidade da vida, das pessoas e das coisas. Já não tentamos o suicidio nem cometemos gestos tresloucados. Alguns, sim - nós, não. Contidamente, continuamos. E substituimos expressões fatais como "não resistirei" por outras mais mansas, como "sei que vai passar". Esse o nosso jeito de continuar, o mais eficiente e também o mais cômodo, porque não implica em decisões, apenas em paciência.

Claro que no começo não terás sono ou dormirás demais. Fumarás muito, também, e talvez até mesmo te permitas tomar alguns desses comprimidos para disfarçar a dor. Claro que no começo, pouco depois de acordar, olhando à tua volta a paisagem de todo dia, sentirás atravessada não sabes se na garganta ou no peito ou na mente - e não importa - essa coisa que chamarás com cuidado, de "uma ausência". E haverá momentos em que esse osso duro se transformará numa espécie de coroa de arame farpado sobre tua cabeça, em garras, ratoeira e tenazes no teu coração. Atravessarás o dia fazendo coisas como tirar a poeira de livros antigos e velhos discos, como se não houvesse nada mais importante a fazer. E caminharás devagar pela casa, molhando as plantas e abrindo janelas para que sopre esse vento que deve levar embora memórias e cansaços.

Contarás nos dedos os dias que faltam para que termine o ano, não são muitos, pensarás com alívio. E morbidamente talvez enumeres todas as vezes que a loucura, a morte, a fome, a doença, a violência e o desespero roçaram teus ombros e os de teus amigos. Serão tantas que desistirás de contar. Então fingirás - aplicadamente, fingirás acreditar que no próximo ano tudo será diferente, que as coisas sempre se renovam. Embora saibas que há perdas realmente irreparáveis e que um braço amputado jamais se reconstituirá sozinho. Achando graça, pensarás com inveja na largatixa, regenerando sua própria cauda cortada. Mas no espelho cru, os teus olhos já não acham graça.

Tão longe ficou o tempo, esse, e pensarás, no tempo, naquele, e sentirás uma vontade absurda de tomar atitudes como voltar para a casa de teus avós ou teus pais ou tomar um trem para um lugar desconhecido ou telefonar para um número qualquer (e contar, contar, contar) ou escrever uma carta tão desesperada que alguém se compadeça de ti e corra a te socorrer com chás e bolos, ajeitando as cobertas à tua volta e limpando o suor frio de tua testa.

Já não é tempo de desesperos. Refreias quase seguro as vontades impossíveis. Depois repetes, muitas vezes, como quem masca, ruminas uma frase escrita faz algum tempo. Qualquer coisa assim:
- ... mastiga a ameixa frouxa. Mastiga , mastiga, mastiga: inventa o gosto insípido na boca seca ..."  
(Caio F. Abreu)

Querido.

Meu tempo é curto e o dele é longo. Meu cabelo é claro e o dele é negro. Temo que não dure muito a nossa novela, mas eu sou tão feliz com ele. Meu dia voa e ele não acorda. Ele vai até a esquina enquanto eu quero ir para Veneza. Acho que nem sei direito o que ele fala, mas não canso de contemplá-lo.
Fico avarenta, conto meus minutos. Cada segundo que se vai, cuidando dele que anda em outro mundo. Enquanto ele esbanja suas horas ao vento. Sinto que ainda vou penar muito com esse garoto, mas seu sorriso e a música que nos acompanha já valeu a pena.

Ele é um mistério,


Algo em seus olhos me pega e me deixam hipnotizada. É uma incrível mistura de variados tons de castanho. Muitos dizem que o diferencial nos olhos é deles serem de outra cor. Discordo. O diferencial está na maneira de como eles são vistos... Não somente nas suas cores. E olhá-lo é algo que nunca cansa... um colírio.
Ele é um mistério, como já dito, no entanto me faz ser eu mesma. E quando ele me olha, é inevitável minha voz não tremer e o meu coração estremecer. Eu devo resistir a tudo isso que sinto?
Isso não é mais um momentinho bobo, muito menos a tormenta antes da calmaria. Isso é a profunda e ofegante respiração deste sentimento puro no qual estávamos trabalhando. E mesmo com todas as facilidades que tenho contigo, parece ser difícil segurá-lo como quero, e você também consegue ver isso.  Mais você insiste em nadar nos seus próprios pensamentos e mal sabe que, mesmo sabendo nadar, você pode se afogar. Nem os seus piores inimigos te causam tantos danos quanto os seus pensamentos.
Você não está escutando? Eu estou chamando por você, querido. Não fique esperando por um dia chuvoso. Fechar seu coração e esconder-se do sol não resolve, só o machuca.

Tudo o que você precisa está disfarçado nas conversas que têm, mesmo quando for consigo mesmo. No entanto eu sei que esperando algo que o traga de volta... Olhe para frente! Eu estou chamando por você. Eu realmente te quero.

quinta-feira, julho 11

Lucidez.

❝ Não sei o que eu sinto e ultimamente não faço mais questão de saber. Cansei de tentar procurar respostas pra intermináveis perguntas, de tentar definir o indefinido e cansei de ir atrás do que só corre de mim. O jeito agora é não saber e se contentar com isso. Porque às vezes a gente se importa tanto em interpretar a letra, que acabamos esquecendo de dançar a música.❞

Ontem chorei,

Por tudo que fomos. Por tudo o que não conseguimos ser. Por tudo que se perdeu. Por termos nos perdido. Pelo que queríamos que fosse e não foi. Pela renúncia. Por valores não dados. Por erros cometidos. Acertos não comemorados. Palavras dissipadas. Versos brancos. Chorei pela guerra cotidiana. Pelas tentativas de sobrevivência. Pelos apelos de paz não atendidos. Pelo amor derramado. Pelo amor ofendido e aprisionado. Pelo amor perdido. Pelo respeito empoeirado em cima da estante. Pelo carinho esquecido junto das cartas envelhecidas no guarda-roupa. Pelos sonhos desafinados, estremecidos e adiados. Pela culpa. Toda a culpa. Minha. Sua. Nossa culpa. Por tudo que foi e voou. E não volta mais, pois que hoje é já outro dia. Chorei. Apronto agora os meus pés na estrada. Ponho-me a caminhar sob sol e vento.
 - Caio F. Abreu