segunda-feira, outubro 31

Pequenos chuviscos, grandes mudanças.



  Vou correndo, como se isso me fizesse escapar dos pingos da chuva que se iniciava. Menos tempo na chuva, pode ser ilusório, mas tenho a impressão de que ficarei menos molhada, de que chegarei menos ensopada. E a água que caí é tão pura, tão simples. Desisto, saio da parada de ônibus e vou andando, afinal é sempre bom lavar a alma, e acabo por seguir meu caminho nesta chuva tão pura.
   Observo a estrada em que o caminho para os sonhos realizáveis é longa e traiçoeira. Obstáculos sempre surgem para incomodar os que ainda têm um problema, até mesmo para aqueles que apenas precisam sorrir. Humanos, humanos... Tão estranhos. Vejo rostos diversos e procuro uma razão para tal comportamento, não entendo porque viver de status, a que ponto eles chegaram em que ter poder é mais importante do que está com a família, com aqueles que amam?
   Quem dera se a chuva tivesse o mesmo poder para todos, quem sabe hoje, nesta tarde, eu poderia estar correndo sobre a chuva da felicidade com outras pessoas... Sonhos são sempre bem vindos, no meu caso, eles são já vem no alto, se expressam tão claramente que acabo por não perceber que falei alto.
   E continuo seguindo meu caminho interminável, sem mais me preocupar com começos, crises ou status, apenas seguindo em frente, como um vento forte que leva embora as folhas do outono.

domingo, outubro 9

Amante da solidão


  Ela era magra, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos. Tinha um busto muito pequeno, enquanto as outras todas ainda eram cheias de tudo. Como se não bastasse, enchia os dois bolsos da blusa, por cima do busto, com balas. Mas possuía o que qualquer criança sem amigos por perto possuía: solidão. Pouco aproveitava. E as outras menos ainda. Ela escrevia com letra bordadíssima palavras como "amor" e "saudade". Mas que talento tinha para a crueldade e tristeza. Ela toda era pura vingança, chupando balas com barulho. Como essa menina devia odiar as outras, elas eram imperdoavelmente bonitinhas, esguias, altinhas, de cabelos livres. Mas ela nem notava as humilhações a que as outras a submetiam: continuava escrever incontáveis textos de solidão, esperança e da tristeza que ela sentia. Até que veio para ela o magno dia que viu que não agüentava mais. Ela não morava numa casa perto do centro, mas nunca ninguém a visitava. Não convidava ninguém porque não confiava o bastante.
   Olhando bem para os seus olhos no espelho, começou a chorar. Foi ao mercado. Boquiaberta, saiu devagar, mas em breve a esperança de novo a tomava toda e ela recomeçava na rua a andar pulando, que era o meu modo estranho de andar pelas ruas. Dessa vez não caiu. Mas não ficou simplesmente nisso. No dia seguinte lá estava ela na porta da sala do seu ridículo colégio com um sorriso falso, e o coração batendo. Para ver o olhar de ignorância das outras a qual a viam. Carência e tristeza. Quanto tempo? Não sei. Ela sabia que era tempo indefinido, enquanto o fel não escorresse todo de seu corpo grosso. Ela já começara a adivinhar que ela mesma se escolhera para sofrer, às vezes adivinha. Mas, adivinhando mesmo, às vezes aceitava: como se quem quer me fazer sofrer esteja precisando danadamente que eu sofra. 
  Até que um dia, quando eu estava à entra na sua página pessoal da internet, apareceu sua mãe. Ela devia estar estranhando a aparição muda e o olhar profundo da filha. Pediu explicações a ela. Houve uma confusão silenciosa, entrecortada de palavras pouco elucidativas. A senhora achava cada vez mais estranho o fato de não estar entendendo. Até que essa mãe boa entendeu que sua filha não queria falar com ela. E o pior para essa mulher não era a descoberta do que acontecia. Devia ser a descoberta horrorizada da filha que tinha, da tristeza escondida que a possuía. Foi então que, finalmente se refazendo, disse firme e calma para si mesma: não sei se agüento mais. E para as outras apenas um pensamento impulsionado de ódio: "E vocês ficam com esse ódio o tempo que quiserem." Acho que quando ela não disse nada as outras diziam umas as outras TUDO. Não, não saí pulando como sempre. Saí andando bem devagar. 
  Sei que segurava o passo acelerado para não cair, comprimindo-o contra o chão. Quanto tempo levei até chegar em casa, também pouco importa. Meu peito estava quente, meu coração pensativo. Chegando em casa, não comecei a escrever. Fingia que não queria, só para depois ter o susto de querer. Horas depois pensei, li algumas linhas maravilhosas de alguns textos, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer sanduíche de presunto e queijo, fingi que não sabia onde guardara meus sentimentos, achava-o, pensava por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre iria ser clandestina para mim. Parece que eu já pressentia. Como demorei! Eu vivia no ar. Havia orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha delicada, a rainha da solidão. Às vezes sentava-me na frente do computador, sem tocá-lo. Não era mais uma menina com um a solidão: era uma mulher com o seu amante. 

 Créditos á comunidade do orkut Dicionário de sentimentos.